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EPISÓDIO 1 – O ENCONTRO

O Rio de Janeiro nunca dorme. Entre buzinas incessantes, ondas quebrando na areia e vozes se misturando ao som do samba que ecoa de algum bar esquecido, a cidade pulsa como um coração inquieto.


No meio dessa sinfonia caótica, Olívia se movia com pressa. A câmera pendurada no pescoço, o olhar atento aos detalhes, a respiração levemente acelerada. Ela caminhava pela Cinelândia, capturando rostos, histórias silenciosas escondidas em cada expressão. Seu olhar clínico para a vida real fazia dela uma das fotógrafas mais promissoras da nova geração.


Naquele dia, um protesto tomava as ruas. Bandeiras erguidas, gritos de revolta, cartazes com palavras cruas. O ar estava carregado de tensão. Ela deveria estar ali apenas como observadora, registrando a cena, mas sentia algo diferente no ar. Uma energia densa, um prenúncio de que algo estava prestes a acontecer.


E aconteceu.


Uma confusão irrompeu quando a polícia avançou sobre a multidão. O barulho dos cassetetes contra o asfalto, o som de bombas de efeito moral estourando no ar, a correria desenfreada. Olívia foi pega pelo turbilhão, tentando proteger sua câmera enquanto procurava uma saída. O coração disparado. O mundo rodando ao seu redor.


Foi quando ele apareceu.


Um braço forte segurou o dela com firmeza, puxando-a para um beco estreito antes que a multidão a arrastasse. O cheiro de perfume amadeirado misturado ao suor de quem havia corrido. Ela não teve tempo de pensar, apenas se deixou guiar.


— Você tá bem? — a voz dele cortou o barulho da rua.


Olívia olhou para cima, encarando o dono da voz. Vicente. Um homem alto, ombros largos, barba por fazer, olhos de um castanho tão intenso que pareciam conter segredos. Ele respirava fundo, tentando recuperar o fôlego, enquanto mantinha a mão no braço dela, como se ainda não estivesse pronto para soltá-la.


— Eu… eu acho que sim. — Olívia respondeu, ajeitando a alça da câmera.


Os olhos dos dois se encontraram por segundos a mais do que o necessário. Um silêncio carregado de eletricidade pairou entre eles.


— Você tava no meio do protesto. Não devia ficar tão perto. — Vicente disse, soltando-a aos poucos, mas sem recuar totalmente.


— Eu sou fotógrafa. Esse é o meu trabalho. — Ela ergueu a câmera como se fosse um escudo.


Ele esboçou um meio sorriso, um tanto cético, um tanto admirado.


— Corajosa.


— Eu prefiro "determinada".


O som de sirenes ecoava ao longe, mas naquele pequeno beco, era como se só existissem os dois. Ele a olhava como se tentasse decifrá-la, e ela se perguntava por que um completo desconhecido havia se dado ao trabalho de ajudá-la.


Antes que pudesse perguntar, ele quebrou o silêncio.


— Eu sou Vicente.


— Olívia.


— Espero que suas fotos tenham valido o susto.


Ela sorriu de canto.


— Sempre valem.


Vicente assentiu devagar, como se estivesse processando algo. Então deu um passo para trás, sinalizando a saída do beco.


— Melhor você ir. Tá perigoso aqui.


Olívia hesitou por um instante, mas acabou concordando.


— Valeu pela ajuda, Vicente.


E então, virou-se e caminhou para longe, sem olhar para trás.


Vicente ficou parado por alguns segundos, observando-a desaparecer no meio da cidade.


O que ele não sabia era que aquele encontro não seria o último.


Nem de longe.

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