EPISÓDIO 1 – O ENCONTRO
- Douglas Ribeiro
- 12 de mar.
- 2 min de leitura
O Rio de Janeiro nunca dorme. Entre buzinas incessantes, ondas quebrando na areia e vozes se misturando ao som do samba que ecoa de algum bar esquecido, a cidade pulsa como um coração inquieto.
No meio dessa sinfonia caótica, Olívia se movia com pressa. A câmera pendurada no pescoço, o olhar atento aos detalhes, a respiração levemente acelerada. Ela caminhava pela Cinelândia, capturando rostos, histórias silenciosas escondidas em cada expressão. Seu olhar clínico para a vida real fazia dela uma das fotógrafas mais promissoras da nova geração.
Naquele dia, um protesto tomava as ruas. Bandeiras erguidas, gritos de revolta, cartazes com palavras cruas. O ar estava carregado de tensão. Ela deveria estar ali apenas como observadora, registrando a cena, mas sentia algo diferente no ar. Uma energia densa, um prenúncio de que algo estava prestes a acontecer.
E aconteceu.
Uma confusão irrompeu quando a polícia avançou sobre a multidão. O barulho dos cassetetes contra o asfalto, o som de bombas de efeito moral estourando no ar, a correria desenfreada. Olívia foi pega pelo turbilhão, tentando proteger sua câmera enquanto procurava uma saída. O coração disparado. O mundo rodando ao seu redor.
Foi quando ele apareceu.
Um braço forte segurou o dela com firmeza, puxando-a para um beco estreito antes que a multidão a arrastasse. O cheiro de perfume amadeirado misturado ao suor de quem havia corrido. Ela não teve tempo de pensar, apenas se deixou guiar.
— Você tá bem? — a voz dele cortou o barulho da rua.
Olívia olhou para cima, encarando o dono da voz. Vicente. Um homem alto, ombros largos, barba por fazer, olhos de um castanho tão intenso que pareciam conter segredos. Ele respirava fundo, tentando recuperar o fôlego, enquanto mantinha a mão no braço dela, como se ainda não estivesse pronto para soltá-la.
— Eu… eu acho que sim. — Olívia respondeu, ajeitando a alça da câmera.
Os olhos dos dois se encontraram por segundos a mais do que o necessário. Um silêncio carregado de eletricidade pairou entre eles.
— Você tava no meio do protesto. Não devia ficar tão perto. — Vicente disse, soltando-a aos poucos, mas sem recuar totalmente.
— Eu sou fotógrafa. Esse é o meu trabalho. — Ela ergueu a câmera como se fosse um escudo.
Ele esboçou um meio sorriso, um tanto cético, um tanto admirado.
— Corajosa.
— Eu prefiro "determinada".
O som de sirenes ecoava ao longe, mas naquele pequeno beco, era como se só existissem os dois. Ele a olhava como se tentasse decifrá-la, e ela se perguntava por que um completo desconhecido havia se dado ao trabalho de ajudá-la.
Antes que pudesse perguntar, ele quebrou o silêncio.
— Eu sou Vicente.
— Olívia.
— Espero que suas fotos tenham valido o susto.
Ela sorriu de canto.
— Sempre valem.
Vicente assentiu devagar, como se estivesse processando algo. Então deu um passo para trás, sinalizando a saída do beco.
— Melhor você ir. Tá perigoso aqui.
Olívia hesitou por um instante, mas acabou concordando.
— Valeu pela ajuda, Vicente.
E então, virou-se e caminhou para longe, sem olhar para trás.
Vicente ficou parado por alguns segundos, observando-a desaparecer no meio da cidade.
O que ele não sabia era que aquele encontro não seria o último.
Nem de longe.
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